Com quantos oportunistas se faz um Opportunity ?

O Conversa Afiada reproduz estupendo artigo de Saul Leblon na Carta Maior:

Com quantos oportunistas se faz um Opportunity?

Daniel Dantas não foi um acidente de percurso dos anos 90. As elites do país compraram a ideia de que o futuro tinha um preço: eliminar a presença do Estado.

A trajetória do banqueiro Daniel Dantas, esquadrejada em minucioso trabalho jornalístico pelo repórter Rubens Valente (leia a resenha do seu livro ‘Operação Banqueiro’; nesta pág) reúne um repertório tão abrangente de personagens, crimes econômicos, ademais de manobras político-partidárias, policiais e jurídicas que involuntariamente pode anestesiar a percepção do leitor para um aspecto não negligenciado na narrativa.

Daniel Dantas não foi um acidente de percurso no Brasil dos anos 90.

A sociedade despedia-se então de um ciclo esgotado do seu desenvolvimento.

Tateava outro, embalada na firme adesão de suas elites à ideia de que o atalho para o futuro tinha um preço: eliminar qualquer coordenação democrática do Estado sobre a economia e o crescimento.

O PSDB do sociólogo e presidente Fernando Henrique Cardoso considerou que o custo era justo.

Isso não é o necrológio de uma época.

Tucanos e variações da mesma espécie, eventualmente com sotaque pernambucano, assim como progressistas arrependidos continuam a crer que a contrapartida é uma bagatela.

A galinha morta, congelada durante cinco anos pela crise dos seus fundamentos, volta assim ao balcão das ofertas eleitorais como frango fresco.

Quiçá orgânico, graças às contribuições de Marina Silva.

Não se pode subestimar a lição política extraída do relato minucioso de Valente.

Uma reforma política que dificulte ao máximo a captura das campanhas eleitorais pelos agentes do dinheiro grosso é um imperativo do regime democrático.

Mas ela não basta.

É preciso que os interesses graúdos sejam igualmente regulados pelas urnas na exata medida do que a sociedade requer das instituições e recursos por eles dominados.

Quem o fará?

Esse capítulo não consta, nem poderia constar do livro.

Antes que seja coligido por um autor, a disputa política terá que dizer o que o país pretende dos bancos e do sistema financeiro em geral.

Banqueiros, ao contrário do feérico Daniel Dantas, em geral são discretos.

O papel que desempenham na engrenagem sistêmica recomenda uma rotina à salvo dos refletores políticos e judiciais.

É questão de segurança e de história.

O dinheiro grosso passa por eles –às vezes literalmente, a caminho de paraísos fiscais como o das ilhas Cayman –mostra o livro; ou embarcados em esféricas contabilidades que preservam a identidade, o patrimônio e a sonegação de seus anônimos detentores.

Bancos e banqueiros formam uma espécie de estuário dos sucessos e pecados expressos na forma mais desejada, arisca e versátil da riqueza — a forma dinheiro, na qual todas as outras estão representadas.

Não se confunda o sistema financeiro com mera tinturaria ou levedura dos endinheirados.

Ainda que seja isso também, sua estrita regulação é crucial para que se aplique no que lhe cabe como provedor do crédito, sem o qual não há crescimento no capitalismo.

O multiplicador que permite ao banco emprestar várias vezes aquilo que de fato possui em depósitos, fia-se na certeza de que nem todos os correntistas e investidores vão sacar o seu pecúlio ao mesmo tempo.

É esse lastro de vento que permite ao crédito ser uma antecipação do futuro.

Ao irrigar a produção e o consumo permite à economia erguer-se pelos próprios cabelos, encorpando a musculatura da mais-valia na acumulação subjacente.

Boa parte da engrenagem se apoia numa cabeça de alfinete chamada confiança nos bancos.

O oposto é a corrida aos saques – capaz de destruir um banco em questão de horas, por conta justamente do descasamento intrínseco ao seu alicerce entre ativos e passivos, prazos e expectativas díspares.

Quando todas as variáveis convergem para um mesmo ponto –a esquina do pânico - o sistema financeiro quebra.

Influenciar sem se expor, sem gerar ruídos é, portanto, o segredo desse negócio.

Daniel Dantas destoa no quesito recato.

Mas se encaixa no ditado, segundo o qual, não se deve cometer o equívoco de jogar o bebê com a água suja do banho.

A dimensão político- judicial da atabalhoada ascensão financeira não o torna um personagem menos elucidativo da agenda cuja presença ainda pulsa tão forte na política brasileira quanto os interesses que ele expressou e muitos ainda expressam.

Esqueça a imagem do bandoleiro adestrado na rapinagem tosca.

Fundado em 1994/95, não por acaso, seu banco levava o nome de Opportunity, conforme observa Rubens Valente com sagacidade.

Não era um banco convencional voltado ao financiamento da produção e do consumo.

Era uma ferramenta dos novos tempos.

Continuação no:http://www.conversaafiada.com.br/economia/2014/01/...

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