Gente, aqui ele faz uma crítica aos políticos corruptos!?
Aqui está:
A cada canto um grande conselheiro,
Quer nos governar cabana e vinha, *
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüente olheiro,
Que a vida do vizinho, e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para a levar à Praça e ao Terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia.*
Estupendas usuras* nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.
Obrigada a todos! =D
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Bom, estou aqui de novo, pois gosto de GM.
O soneto não dirige a crítica somente aos corruptos (entendo-se corruptos como pessoas que desobecem leis em troca de dinheiro ou benefícios pessoais). A crítica dirige-se à aristocracia colonial baiana não somente por sua corrupção, mas por sua arrogância e pretensão. Veja a primeira estrofe: é como se houvesse homens que se acham hábeis para governar o mundo todo numa província rural de um império que é muito mal administrada. São senhores de posses concedidas que têm a arrogância de imperadores (os coronéis do nordeste até hoje são assim).
Na segunda estrofe a crítica desce da aristocracia colonial ao populacho (especialmente os negros e mulatos, como veremos). O motivo da crítica agora é o famoso "fuxico" (a "fofoca"), as intriguinhas de menor importância feitas pelo povo que toma conta da vida dos outros. Levam todos os fatos da vida dos outros para contar a todos, seja na praça, seja no terreiro. Aqui não se trata de terreiro de candomblé - que era proibido - mas simplesmente a um local de terra batida que ficava normalmente em frente à casa grande nas plantações de cana. Assim, o "boca do inferno" (um dos epítetos de GM) atira para todos os lados.
Na terceira estrofe ele iguala os mulatos e os "homens nobres" (aqui é ironia, pois se trata da mesma aristocracia rural que criticou na 1a estrofe). Ele os iguala da seguinte maneira: 1) os nobres que se querem "brancos" são como os mulatos "trazidos pelos pés". Ser trazido pelos pés, tal como um escravo, é uma forma de dizer que os mulatos (que eram filhos dos senhores brancos com suas escravas negras) trazem a marca de seus antepassados negros, mas se crêem "gente nobre" e por isso são "desavergonhados". É como se os pés os condenassem ainda a arrastar a corrente de escravo. 2) os nobres, contudo, trazem suas máculas não nos pés, mas nas mãos ("postas nas palmas toda a picardia"). "Picardia" é baixeza de caráter, "safadeza", "velhacaria". Esta picardia é posta nas suas palmas: a sujestão aqui parece ser exatamente a de se venderem, venderem todos os seus valores por dinheiro (que lhes é posto nas mãos).
Ai vem a brincadeira de GM: "picardia" é uma palavra boa, embora haja tantos sinônimos, porque - a meu ver - ela remete à "arder" e com isso estaria sugerindo o castigo da palmatória muitas vezes aplicado aos escravos. Outra coisa que faz este verso remeter não apenas à corrupção, mas também ao castigo da palmatória, é a sonoridade sempre usada com muita inteligência por GM. Leia o verso em voz alta pronunciando bem forte toda letra "p". O efeito é o de um espancamento! "Pos"ta nas "Pal"mas toda "Pi"cardia! Genial, nosso poeta! É como se os nobres aqui fossem também comparados ao mais reles dos seres, o escravo, tal como o mulato foi ironicamente comparado ao nobre (porque para ser nobre no Brasil, e está é a crítica, basta se pavonear e acreditar-se nobre, não é preciso sê-lo de fato). A picardia que supostamente os beneficia, também os castiga, pois os faz se semelhantes ao menos nobre dos seres.
Outro recurso desta terceira estrofe, que dá esta confusão de sentidos é o seguinte: observe a frase "muitos mulatos desavergonhados trazidos pelos pés os homens nobres". Quem é trazido pelos pés, os homens nobres ou os mulatos desavergonhados? A verdade é que estes dois versos são assim construídos justamente para poder dizer que um e outro são trazidos pelos pés, pois nenhum é nobre, e também para sugerir que ambos seriam como que iguais, gente sem valor. Percebeu a sutileza? Ele também não diz na palma de quem (mulato ou nobre) a picardia é posta, ou seja, sugere que aqui também tanto faz.
No fim, uma crítica à classe que não era nem a aristocracia rural, nem a ralé, mas a classe comerciante que se formava nas vilas portuárias. São os mercadores que têm sede de ganhar muito, os usurários, aquela classe de gente que se não rouba não "vence na vida". Com estas três classes criticadas, o poeta conclui seu retrato ácido do que seria a Bahia de seu tempo.
Espero ter ajudado. Embora, como sabe, só é possível fazer comentários breves a poemas como este, aqui. Excelente pergunta, de novo.
Pesquisei e encontrei o seguinte :
De tudo o que se conhece a respeito da obra de Gregório de Mattos, talvez sua poesia satÃrica, que lhe rendeu o apelido de Boca do Inferno, seja o mais marcante. Dentre os alvos de seus maldizeres, como já foi apontado nos escritos introdutórios, estão os religiosos (freis, freiras, bispos e arcebispos) da Bahia no perÃodo colonial, com os quais Gregório entrou em contato através de sua formação católica.
O poeta faz um retrato da sua cidade neste poema e expõe a desigualdade que atinge o seu povo: no inÃcio do soneto estão os governantes, que "não sabem governar sua cozinha" e, no entanto, governam o mundo inteiro e os pobres, em contraposição, no último terceto, são apresentados como "os que não furtam".
Não acho que seja uma critica a polÃticos, mas sim, aos usos e costumes da gente comum de uma cidade. Fofoca, agiotagem, e maus hábitos. Ele pintou em cores fortes os defeitos de toda a gente.
Não só os corruptos, como principalmente os incompetentes.
Mas a crÃtica principal está em torno do fato de não ser o POVO quem exerce o poder. Bem explÃcito na terceira estrofe.
Abraços!