Elefante o filme, o que essas duas criticas tem em comum?

CRÍTICA: ELEFANTE - Um belo dia de outono, tão belo que não merecia ser ofuscado. Mas mesmo na tranqüilidade de um subúrbio em Portland (no estado norte-americano de Oregon), a latente agressividade humana se sobressai. Elefante, de Gus Van Sant, baseia-se no mesmo argumento que Tiros em Columbine de Michael Moore, o assassinato de 14 jovens e um professor em Columbine High School, em 1999, por dois estudantes. Contudo, esse filme mostra-se diferente da ótima película de Moore. A narrativa parte da perspectiva de alguns alunos, envolvidos de alguma forma na iminente tragédia. A obscuridade da mente confusa dos adolescentes ganha espaço e mostra do que é capaz. Sem apelar para a violência gratuita, ou o sensacionalismo Van Sant, consegue perpetuar na memória de cada espectador as impressões de uma tragédia que chocou e botou em xeque o “American way of life”.

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Ao longo dos anos 90, os Estados Unidos assistiram a vários episódios semelhantes: adolescentes de classe média, até então considerados "normais", entraram armados em suas escolas e assassinaram colegas e professores. Recentemente, esse fenômeno foi abordado em dois filmes de grande repercussão. Um deles foi Tiros em Columbine, diatribe do polêmico documentarista Michael Moore contra a obsessão americana por armas de fogo. O outro é a ficção Elefante (EUA, 2003), um filme inquietante do diretor Gus Van Sant, que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2003 e estréia nesta sexta-feira no Brasil.

A narrativa de Elefante engloba umas poucas horas de uma manhã qualquer. Alunos e funcionários de uma escola seguem sua rotina até que dois estudantes, Eric e Alex, dão início à matança que arquitetaram cuidadosamente. O filme oferece um vislumbre da intimidade dos assassinos. Sabemos que eles assistem a programas sobre Hitler na televisão, que treinam a pontaria em jogos de computador, que compraram um rifle automático pelo correio. Eric não tem brilho. Alex toca Beethoven ao piano como um virtuose e conhece Shakespeare de cor. É um garoto talentoso, mas ressentido, por julgar que não recebe do mundo o que lhe é devido. Elefante não transforma esses fragmentos de informação sobre os atiradores numa explicação cabal para o seu crime, tampouco os rejeita como elementos de uma explicação possível. O filme simplesmente não se estrutura de maneira a demonstrar uma tese ou provocar emoções fortes de empatia ou repulsa em relação aos seus personagens. Ele abre mão de procedimentos dramáticos de edição e narrativa, drena a violência de qualquer impacto gráfico, suspende juízos, e apenas observa. É desse distanciamento que nasce o seu poder de inquietar.

Elefante compõe-se de longas seqüências sem cortes, nas quais os personagens perambulam pela escola. Seguimos o jovem carismático, o atleta arrogante, a menina feia, as patricinhas. A certa altura, somos levados a identificar o ponto de vista da câmera, que acompanha os estudantes pelas costas, com o ponto de vista de um jogador de videogames de combate. De modo geral, porém, o que essas caminhadas transmitem é uma sensação de ensimesmamento, quase de sonambulismo. Elefante é um desses casos em que a forma de filmar revela, por si só, uma idéia: a auto-absorção dos jovens – por arrogância, narcisismo, tristeza, ou simples alheamento – parece estar no centro da crítica e das preocupações de Gus Van Sant.

Nada no filme esclarece o título Elefante. Em entrevistas, o diretor disse ter prestado uma homenagem ao cineasta inglês Alan Clarke (1935-1990), que fez um trabalho homônimo sobre a violência religiosa na Irlanda. O filme de Clarke remetia à expressão idiomática "um elefante na sala de estar", que designa coisas incômodas, que as pessoas tentam ignorar. A idéia vale para o filme de Van Sant. Ele aponta para o elefante – a crueldade juvenil –, mas não tenta tornar sua existência menos enigmática.

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